Logo que entrei na festa pude sentir o seu cheiro. Fazia muito tempo que não me encontrava com outro. Esse tinha um odor adocicado de putrefação, uma suave podridão.
Já estava me preparando para sair. Não gosto de encontrar predadores noturnos. Foi a curiosidade, esse pecado que me faz sentir um pouco a minha humanidade perdida, que me prendeu aquele lugar.
Desvio meu olhar das pessoas. O cheiro esta mais forte. Passo por duas garotas que dançam sem tirar os olhos uma da outra. Uma delas é quem procuro. Não consigo identificar qual das duas. Talvez as duas.
Não sei direito o que fazer. Parecem tão lindas e felizes dançando.
Que direito tenho eu de entrar na vida dessas duas pessoas e a transformar num inferno maior do que elas já estão? ─ Me perguntava já sabendo a resposta. Estava fascinado. Seduzido por uma onda de amor que aquelas duas estranhas criaturas emanavam.
Sei que os demônios noturnos podem seduzir como mágicos. Conhecemos as fraquezas dos homens e possuímos os instintos necessários para dominar. Aquilo podia estar acontecendo e eu sabia, por experiência própria, que não seria bom para nenhuma das duas.
O que me fez realmente agir? Não consigo revelar nem a mim mesmo. Seria minha vontade de mudar o rumo de uma tragédia ou simplesmente a inveja de ver um ser da noite encontrar a felicidade enquanto eu vivo na solidão?
Comecei a dançar com as duas. Como já disse um vampiro sabe seduzir quando quer. Os olhos não se desviavam e nossas bocas e rostos se roçavam. Suas mãos deslizavam por meu corpo. O estranho prazer do toque desconhecido. Eu era apenas um brinquedo. E do que mais eu precisava?
Cris e Andréa. Estavam vivendo o melhor momento de suas vidas. Experimentando o amor e tantas outras coisas. Elas tinham um gosto especial por novidades e se soltavam no mundo. Pessoas especiais num mundo de medíocres. Tudo seria perfeito se uma delas não fosse uma imortal amaldiçoada.
Cris era doce e de olhar límpido. Tinha dezesseis anos e muita convicção. Nos atos parecia mais velha que Andréa que tinha dez anos a mais. Uma mulher bonita e carente. Creio que até Cris aparecer na sua vida devia ser alguém completamente perdida e entediada.
Andréa levantou-se para buscar mais alguma coisa para beber. Cris a olhou muito séria.
─ É o último... Prometo...
Ela se misturou com a multidão. Era a chance que eu esperava.
─ Deixa a garota beber! Você controla demais...
─ Você não conhece a Andréa! Ela bebia demais, se drogava demais e fazia besteira demais! Só estou tentando ajudá-la a colocar a vida no lugar.
─ Mas você não é muito nova para se envolver tanto com alguém?
─ E o amor tem idade? As coisas não são bem o que parecem...
─ Sei muito bem do que você esta falando.
─ Não, você não sabe!
─ Cris, eu sei muito mais do que você imagina...
A fisionomia da menina mudou radicalmente. Ela estava tensa. Podia vê-la lutando e procurando respostas nos seus sentidos. E a conversa tomou um rumo que eu não esperava.
─ O que você pretende? ─ Indagou-me Cris com um olhar feroz. Era uma loba defendendo seu território. Farejei o perigo iminente. Tentei contornar a situação e não me revelar.
─ Do que você está falando?
─ Não sei muito bem o que você é, mas não estou gostando! Então pare de brincar e me diga o que você quer!
─ Deixe-a partir!
─ O quê?
─ Você me ouviu. Liberte a Andréa! O que você está fazendo é perigoso para as duas.
─ Quem você pensa que é?
─ Você sabe que eu sou...
─ Seu estúpido arrogante! O que você sabe de minha vida! Não pode fazer isso comigo! Não pode querer tomar as minhas decisões!
─ Cala a boca! Você não sabe o que esta falando! ─ Gritei maldizendo minha presença ali. Não podia e não devia estar ali. Não era problema meu. A mágica do desejo foi rompida.
Não percebemos que Andréa já tinha voltado e nos olhava assustada.
─ Diga a ela! Conte tudo! Diga o que você é! Conte a ela dos pesadelos! Das vozes que você ouve e da fome! Vamos diga!
Andréa parecia ter dormido e entrado em um pesadelo.
─ Quem ele é, Cris?
─ Alguém como eu. Pode falar, ele sabe...
─ Ela me contou tudo. O que você está falando é verdade... A Cris tem se controlado...Nós nos protegemos dos outros e ela toma conta de mim!
Fiquei aturdido. Elas sabiam de tudo e conviviam com um segredo assustador.
─ Vocês são loucas! Sabem que não vão poder ficar juntas muito tempo!
─ Cada dia que passa me sinto menos humana!
─ Cris, me escute. Vai levar anos! Talvez séculos para você aprender a se controlar, enquanto isso o seu rastro será de ódio e destruição. Nós acabamos matando todos que amamos, isso aconteceu comigo. Mas o pior é quando aprendemos a nos controlar. Por que então enterramos todos que amamos até não sobrar nada. Só sangue e solidão.
Quem eu achava que era para separá-las assim? ─ Que merda eu estava fazendo. Minha vontade era ficar ali com as duas e me alimentar do seu amor. Uma outra forma de vampirismo.
─ Ele tem razão! Vá embora! Eu te amo demais pra te fazer mal!
─ Não!!! Eu não posso te perder! ─ As lágrimas corriam daquele rosto adorável enquanto Andréa abraçava sua amiga. Me senti um intruso.
─ Como eu vou viver sem você? Se é assim acabe logo com isso! Me faça alguém como você e assim nos amaremos para sempre!
─ Você não ouviu o que eu disse? Afastou-a segurando carinhosamente seu ombro. ─ Cada dia eu perco um pouco da minha humanidade. É o meu amor por você que me faz suportar as vozes e os pesadelos. Não resistirei por muito tempo. Imagine nós duas assim. O amor é humano, eu não!
─ Eu te darei forças! Nós venceremos...
Virou-se para mim e começou a me bater. Deixei que ela se acalmasse. Abracei-a e sussurrei no seu ouvido.
─ Pense nisso como uma doença. ─ Falava carinhosamente, como quem tenta explicar o inexplicável para uma criança. ─ Nós sofremos de um mal e nada pode nos salvar a não ser a luz do sol.
Afastou-se de mim. Olhou profundamente para nós dois.
─ Não adianta! A decisão já esta tomada. Vou ficar... Quando ela não puder controlar sua fome darei meu sangue até a última gota e ela vai sentir apenas o gosto do perdão e do meu amor.
─ Andréa...
─ Posso morrer por você mas ele tem razão, não posso viver uma vida que na verdade é pior que a morte! Prometa não me envenenar! Não quero ser como vocês!
Nunca mais vi as duas. Desapareci enquanto se beijavam. Será que o amor pode sobreviver a morte?
Sei muito bem como essa história termina. Alguém se sacrifica por seu amor e parte dessa vida. Para quem fica resta a solidão, o desespero e uma fome insana. Por fim o desprezo que todo ser da noite tem pela humanidade e uma eternidade para expiar os pecados.
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