quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O TEMPO E A FUTILIDADE (PÁSSAROS DE SANGUE - AS HISTÓRIAS DO VAMPIRO LUCAS)

Há certas coisas que só uma cidade grande pode proporcionar. Um manto de asfalto que encobre as perversidades. Os crimes ficam sem solução. Um ser como eu pode se alimentar e se preocupar apenas com sua consciência. Ninguém perde tempo acreditando em vampiros com tantas outras coisas para se preocupar. A maldade anda solta na forma de homens comuns. Os seres da noite são reservados para os cantos escuros dos sonhos inofensivos.
Outra vantagem é que, até para um vampiro frugal com eu, a comida é farta e variada. Sempre se pode arrumar um pescoço ou um romance. Nunca as duas coisas. Nunca mato o que gosto. Mulheres interessantes, pessoas inteligentes, espíritos cativantes me dão maior prazer quando vivos.
Não é o caso dessa petulante moça que está ao meu lado e não parou de falar. Creio que vou ter uma indigestão ao morder tão verborrágica garganta. Ela parecia magnífica fazendo o show de striptease. Tão maravilhosa que eu só queria uma noite de amor e agora só quero matá-la. Uma megera de corpo bonito não vai fazer a mínima falta.
─ Vamos para o quarto! ─ Dizia e se esfregava como uma gata no cio. Você vai ver do que eu sou capaz...
Me desvencilhei de seu abraço de víbora. Na sacada pude respirar e minha sanidade foi voltando. O luar clareou meus pensamentos. Existia um castigo muito maior para a futilidade dessa mulher. Entrei no jogo:
─ Não posso! Não posso!! ─ Falava e balançava a cabeça como se alguma coisa me perturbasse.
─ Benzinho, você está com algum problema? Não há nada que eu não possa resolver!
Era o ápice da falsidade! O tom, o jeito de falar, tudo respirava vulgaridade.
─ Sofro de um mal incurável! ─ Falei olhando em seus olhos. Ela se afastou até uma distancia segura.
─ Você... Você não está com aids, está? ─ Olhou-me cheia de pavor.
─ Não, querida! É outro tipo de doença do sangue! ─ Provoquei uma pequena metamorfose que é muito mais um truque de sugestão. Meus olhos exalaram a maldade e se avermelharam e os caninos cresceram. Tudo muito parecido com os charmosos vampiros do cinema.
─ Você é um vampiro!! Um vampiro de verdade!! ─ Ela quase bateu palmas de contentamento.
Continuei com o teatro. A presa havia mordido a isca.
─ Não acredito!! Se meus olhos não...
─ Entende, agora por que não posso ir a lugar nenhum com você? Meu coração é uma fera pronta pra devorar o sangue de qualquer um!! E não quero que isso aconteça com você!
Me senti um perfeito canastrão. Como alguém podia acreditar em todas essas besteiras?
Ela aproximou o pescoço da minha boca e suplicou, quase num sussurro, que eu a mordesse e lhe desse a vida eterna. Imagine ficar eternamente jovem e linda!
─ Eternamente arrogante e vulgar! O mundo não precisa de mais
gente assim!
─ Como assim... Vulgar? Eu?
Indignação era o menor dos adjetivos! Mas até a sua fúria era frívola. Começou a gritar que iria falar para todos o monstro que eu era. Realmente, ninguém levaria a sério essa história de vampiro. Pensando bem, no sentido figurado até que ela tinha uma certa razão. Todos nós somos vampiros em determinadas ocasiões. O mundo está cheio de vampiros mais perigosos e mais famintos do que eu.
─ Pode falar o que você quiser! Só aumentará sua fama de infeliz...
─ Como pode haver alguém tão cruel?
─ Não sou pior nem melhor que você. Sofro de um mal que não me deixa envelhecer e você sofre do mal de envelhecer. Por ser essa pessoa superficial que você é não haverá dignidade nenhuma no passar dos anos, ao contrário só mostrará sua decadência e a patética luta contra a idade! ─ Continuei a hipócrita lição de moral. ─ Minha cara, o tempo pode ser invencível se você torná-lo seu inimigo.
O sermão fazia parte do jogo que já estava me saturando. A presa não oferecia a menor resistência. Muito pelo contrário, estava agora dramatizando. As lágrimas corriam estudadas e fartas pelo rosto, manchando a maquiagem.
Ganhei as ruas. Aparentava um pouco de pressa e afobação, mas nem tanto.
Não precisei esperar muito para ouvir o som dos saltos e o perfume caro me seguindo.
Depois a mesma velha história.
─ Por favor... Me transforme em alguém como você! Eu vou fazer trinta anos... Você sabe o que é fazer trinta anos pra uma mulher como eu? Não!! Você, não!!! Vai ficar aí com essa cara sem rugas por toda a eternidade! Você não sabe o que é ficar velho!! Eu não sei fazer mais nada e meu corpo não vai durar... preciso da eternidade! Faço o que você quiser!
Afinal ela tinha consciência das suas limitações ou estaria só tentando equilibrar jogo?
Nunca vou saber. Minha ira estava no ápice e explodiu. Arranquei sua roupa rasgando seu vestido. A possui ali mesmo, gemia debruçada sobre o capô do carro enquanto a segurava pelos cabelos e a penetrava com força e maldade.
─ Olhe para o seu rosto! ─ Eu a torturava fazendo com que ela se visse com a maquiagem borrada no vidro do carro! ─ Pensa na sua vida!! Você acha que os homens vão querer trepar com você pra sempre?
A penetrei por trás com violência e novamente arranquei lágrimas, desta vez de dor. Não gritou, mordia a própria mão até sangrar.
Deixei-a sobre o carro. Sumi na penumbra antes que ela pudesse se recuperar. Esse era o seu castigo! Eu acenei com a vida eterna e a condenei a envelhecer e ver sua própria imagem no espelho decaindo dia após dia.
Me senti cruel por ter me deixado levar por um prazer tão mesquinho. O que eu era senão um animal nojento, rastejando noite após noite atrás da minha vida perdida?
Bebi a taça de um vinho venenoso e amargo. A eternidade não me deu a sabedoria para poder perdoar e aprender a ter compaixão.
Eu estava enganado, nós não somos iguais. Eu sou muito pior.
Um dia sua agonia vai terminar, minha cara. Quanto a mim, não passo de um pássaro eterno manchado de sangue e de pecado.

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