Há certas coisas que só uma cidade grande pode proporcionar. Um manto de asfalto que encobre as perversidades. Os crimes ficam sem solução. Um ser como eu pode se alimentar e se preocupar apenas com sua consciência. Ninguém perde tempo acreditando em vampiros com tantas outras coisas para se preocupar. A maldade anda solta na forma de homens comuns. Os seres da noite são reservados para os cantos escuros dos sonhos inofensivos.
Outra vantagem é que, até para um vampiro frugal com eu, a comida é farta e variada. Sempre se pode arrumar um pescoço ou um romance. Nunca as duas coisas. Nunca mato o que gosto. Mulheres interessantes, pessoas inteligentes, espíritos cativantes me dão maior prazer quando vivos.
Não é o caso dessa petulante moça que está ao meu lado e não parou de falar. Creio que vou ter uma indigestão ao morder tão verborrágica garganta. Ela parecia magnífica fazendo o show de striptease. Tão maravilhosa que eu só queria uma noite de amor e agora só quero matá-la. Uma megera de corpo bonito não vai fazer a mínima falta.
─ Vamos para o quarto! ─ Dizia e se esfregava como uma gata no cio. Você vai ver do que eu sou capaz...
Me desvencilhei de seu abraço de víbora. Na sacada pude respirar e minha sanidade foi voltando. O luar clareou meus pensamentos. Existia um castigo muito maior para a futilidade dessa mulher. Entrei no jogo:
─ Não posso! Não posso!! ─ Falava e balançava a cabeça como se alguma coisa me perturbasse.
─ Benzinho, você está com algum problema? Não há nada que eu não possa resolver!
Era o ápice da falsidade! O tom, o jeito de falar, tudo respirava vulgaridade.
─ Sofro de um mal incurável! ─ Falei olhando em seus olhos. Ela se afastou até uma distancia segura.
─ Você... Você não está com aids, está? ─ Olhou-me cheia de pavor.
─ Não, querida! É outro tipo de doença do sangue! ─ Provoquei uma pequena metamorfose que é muito mais um truque de sugestão. Meus olhos exalaram a maldade e se avermelharam e os caninos cresceram. Tudo muito parecido com os charmosos vampiros do cinema.
─ Você é um vampiro!! Um vampiro de verdade!! ─ Ela quase bateu palmas de contentamento.
Continuei com o teatro. A presa havia mordido a isca.
─ Não acredito!! Se meus olhos não...
─ Entende, agora por que não posso ir a lugar nenhum com você? Meu coração é uma fera pronta pra devorar o sangue de qualquer um!! E não quero que isso aconteça com você!
Me senti um perfeito canastrão. Como alguém podia acreditar em todas essas besteiras?
Ela aproximou o pescoço da minha boca e suplicou, quase num sussurro, que eu a mordesse e lhe desse a vida eterna. Imagine ficar eternamente jovem e linda!
─ Eternamente arrogante e vulgar! O mundo não precisa de mais
gente assim!
─ Como assim... Vulgar? Eu?
Indignação era o menor dos adjetivos! Mas até a sua fúria era frívola. Começou a gritar que iria falar para todos o monstro que eu era. Realmente, ninguém levaria a sério essa história de vampiro. Pensando bem, no sentido figurado até que ela tinha uma certa razão. Todos nós somos vampiros em determinadas ocasiões. O mundo está cheio de vampiros mais perigosos e mais famintos do que eu.
─ Pode falar o que você quiser! Só aumentará sua fama de infeliz...
─ Como pode haver alguém tão cruel?
─ Não sou pior nem melhor que você. Sofro de um mal que não me deixa envelhecer e você sofre do mal de envelhecer. Por ser essa pessoa superficial que você é não haverá dignidade nenhuma no passar dos anos, ao contrário só mostrará sua decadência e a patética luta contra a idade! ─ Continuei a hipócrita lição de moral. ─ Minha cara, o tempo pode ser invencível se você torná-lo seu inimigo.
O sermão fazia parte do jogo que já estava me saturando. A presa não oferecia a menor resistência. Muito pelo contrário, estava agora dramatizando. As lágrimas corriam estudadas e fartas pelo rosto, manchando a maquiagem.
Ganhei as ruas. Aparentava um pouco de pressa e afobação, mas nem tanto.
Não precisei esperar muito para ouvir o som dos saltos e o perfume caro me seguindo.
Depois a mesma velha história.
─ Por favor... Me transforme em alguém como você! Eu vou fazer trinta anos... Você sabe o que é fazer trinta anos pra uma mulher como eu? Não!! Você, não!!! Vai ficar aí com essa cara sem rugas por toda a eternidade! Você não sabe o que é ficar velho!! Eu não sei fazer mais nada e meu corpo não vai durar... preciso da eternidade! Faço o que você quiser!
Afinal ela tinha consciência das suas limitações ou estaria só tentando equilibrar jogo?
Nunca vou saber. Minha ira estava no ápice e explodiu. Arranquei sua roupa rasgando seu vestido. A possui ali mesmo, gemia debruçada sobre o capô do carro enquanto a segurava pelos cabelos e a penetrava com força e maldade.
─ Olhe para o seu rosto! ─ Eu a torturava fazendo com que ela se visse com a maquiagem borrada no vidro do carro! ─ Pensa na sua vida!! Você acha que os homens vão querer trepar com você pra sempre?
A penetrei por trás com violência e novamente arranquei lágrimas, desta vez de dor. Não gritou, mordia a própria mão até sangrar.
Deixei-a sobre o carro. Sumi na penumbra antes que ela pudesse se recuperar. Esse era o seu castigo! Eu acenei com a vida eterna e a condenei a envelhecer e ver sua própria imagem no espelho decaindo dia após dia.
Me senti cruel por ter me deixado levar por um prazer tão mesquinho. O que eu era senão um animal nojento, rastejando noite após noite atrás da minha vida perdida?
Bebi a taça de um vinho venenoso e amargo. A eternidade não me deu a sabedoria para poder perdoar e aprender a ter compaixão.
Eu estava enganado, nós não somos iguais. Eu sou muito pior.
Um dia sua agonia vai terminar, minha cara. Quanto a mim, não passo de um pássaro eterno manchado de sangue e de pecado.
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